Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
(Alberto Caeiro, 1925, poema XLIII)
Vinha percorrendo o distrito de Bragança, da Foz Tua a Vinhais, de Miranda do Douro a Mirandela, a visitar explorações ovinas, negociantes, restaurantes e, claro, matadouros. Foi justamente em um matadouro onde ressurgiu uma conversa já frequente de outras viagens: a crescente preocupação com o bem-estar animal na sociedade portuguesa e, seu corolário mais drástico, a expansão do vegetarianismo e do veganismo. Lá estava eu, sentado num escritório justaposto a uma sala de abate, a dialogar sobre o direito dos animais. Matadouros em Portugal possuem rigorosos cadernos de encargos e regras operacionais, e muito se progrediu com respeito ao bem-estar animal no decorrer dos anos. Porém e a despeito dos esforços desenvolvidos, funcionários de matadouros tendem ainda a se sentir discriminados por parte da sociedade.
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